Cibercrime: o que deve vir primeiro, lei civil ou lei penal?

Esta semana, a aprovação na Câmara, por acordo de lideranças, do Projeto de Lei 2793/11, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e outros, tipificando crimes cibernéticos no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), surpreendeu muita gente e, por alguns momentos, chegou até mesmo a unir no grito de acusação de “casuísmo do governo” _ por conta da recente invasão do computador, roubo e vazamento das fotos da atriz Carolina Dieckman _, ícones entre aqueles que acreditam que “precisamos de mais leis”, como o deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), relator de outro projeto sobre o tema (PL 84/99), e os que acreditam que “precisamos preservar liberdades”, como o professor Sérgio Amadeu, que prontamente, via Twitter, cobrou publicamente Paulo Teixeira, assim que a notícia da aprovação começou a circular.
Felizmente, é possível encontrar nos dois extremos _ o dos que defendem a criação de leis e o dos que defendem as liberdades _ vozes críticas e ponderadas, acostumadas a defenderem seus pontos de vista com argumentos sólidos e relevantes. E foi com alguns deles que conversei nesses dois últimos dias, para tentar entender o que está em jogo. E porque, cada um de nós, deve acompanhar esse debate.
O que está em jogo? Para os que defendem as leis, a atualização do arcabouço jurídico para tornar mais rápida e eficaz a punição àqueles que realmente cometem crimes digitais, fazendo ou não uso da Internet e outras redes de comunicação de dados. Para os que defendem as liberdades, o cuidado para que essas leis não punam usuários desavisados, de pouco ou quase nenhum conhecimento técnico sobre as ferramentas que usam, e/ou também profissionais e acadêmicos que façam uso legítimo de determinadas ferramentas para pesquisa e desenvolvimento.
Explico: a Alemanha aprovou uma lei muito parecida com a aprovada na Câmara e que segue agora para o Senado. E, lá, uma das melhores ferramentas de teste de segurança de rede, como é o caso do kismac (an open-source and free sniffer/scanner application), tornou-se uma ferramenta proibida, com uso liberado mediante autorização expressa. Corremos o risco de chegar a tanto?
Tudo vai depender da tramitação.
O que fez o governo? Correu para enviar ao Senado, que hoje discute a revisão do Código Penal, previsto para ser aprovado até o fim do ano, um projeto tornando crimes a invasão, a cópia, a reprodução e a divulgação não autorizadas de sistemas informatizados e dados, já que o código incluirá um capítulo específico sobre crimes digitais. Uma vez anexado ao processo de revisão do Código Penal, o PL não será apreciado ou votado separadamente por nenhuma comissão da casa. Isso é bom? Depende. Por um lado, evita que tenha sua tramitação prolongada por anos, a exemplo do que ocorreu com o PL 84/99, o famoso PL do Azeredo. Por outro, desloca para o Senado o foco das discussões sobre uma lei penal que inclua a Internet. E a tendência dos Senadores é a de serem mais rígidos na tipificação dos crimes. O encaminhamento do PL é uma tentativa, portanto, de criar um balizador que evite excessos. Portanto, nossa torcida deve ser, a partir de agora, para que ele seja de fato anexado ao Código Penal.
O contexto deixa claro, portanto, que o acordo de lideranças não teve nenhuma relação com o caso da atriz global. Coincidência infeliz, dizem os que estiveram em Brasília nos últimos dias.
Mas e o Marco Civil? Não seria melhor, antes de votar punições, estabelecer os direitos e deveres dos usuários e provedores da internet? Educar os usuários sobre o que fazer ou deixar de fazer na rede e no uso dos dispositivos digitais? Na verdade, na opinião de muitos advogados, os dois podem tramitar em paralelo, e serem aprovados juntos até o fim do ano, no Senado, para que se complementem. O Marco Civil é tão importante quanto o “marco penal”, por assim dizer. “Um não impede o outro”, afirma o doutor Renato Opice Blum, advogado especializado em direito digital.
E aqui é bom desmistificar alguns pontos. O Marco Civil, com a redação que chegou à Câmara e encontra-se hoje em debate público, não estabelece nenhum dever para o internauta, segundo Opice Blum, apenas direitos, como o de privacidade e neutralidade de rede. E isso é bom. Os deveres são todos dos provedores de acesso, serviços e conteúdo. E, nesse ponto, diz ele, requer alguns ajustes. “Por exemplo, ao tornar a guarda de logs facultativa para o provedor de serviços, incluídos aí o e-mail na nuvem e as redes sociais, tornamos mais difícil a identificação de um criminoso, já que para pedir informações ao provedor de acesso, esse sim obrigado a guardar o log por um ano, é preciso antes identificar o IP usado na publicação do conteúdo”, explica Opice Blum. Se a ação da vítima for rápida, isso não chega a ser um problema. Tanto que temos visto muitos casos de prisão por pedofilia, por exemplo.Mas, se por qualquer eventualidade, a vítima custar a reagir….
“Por um erro na redação, há no Marco Civil outro dispositivo que pode tornar a defesa uma processo mais demorado e oneroso para a vítima”, diz o advogado. “Segundo o texto enviado à Câmara o provedor de acesso só será responsabilizado se descumprir uma ordem judicial de remoção de conteúdo. Hoje, basta enviar uma carta para o provedor de serviço, com um pedido fundamentado, para que ele faça prontamente a remoção. Mas, se aprovado como está, o Marco Civil pode dar a esse provedor o direito de só remover o conteúdo depois de notificado judicialmente, o que obrigará o internauta a procurar antes um advogado e lotar os tribunais de processos”, argumenta ele.
Portanto, tudo indica que as audiências públicas e o debate em curso no portal e-Democracia, provavelmente resultarão em alguns ajustes antes da aprovação do texto na Câmara e seu envio para o Senado. O que pode prolongar a sua permanência na Câmara.
Portanto, na visão de muitos advogados _ entre eles o doutor Opice Blum e a doutora Gisele Arantes, sócia do escritório Patrícia Peck _ a aprovação do Projeto de Lei 2793/11 foi um avanço, sem dúvida. “Hoje, recorremos ao código civil para tentar punir a maioria dos crimes cometidos na internet. A aplicação do Código Penal é muito mais difícil, por conta da caracterização do crime. O caso da atriz Carolina Dieckman foi facilitado por conta da clara aplicação do crime de extorsão”, explica a doutora Gisele Arantes. Apesar da mídia ter falado em processo por roubo e por difamação, nenhum dos dois são tão claramente aplicáveis no caso da atriz quanto o de extorsão.
Além disso, a punição, no caso dos processos civis são indenização e/ou reparação. “Insuficientes portanto para inibir o criminoso de praticar o delito”, explica a advogada.
Neste ponto, mesmo o PL de cunho penal aprovado na Câmara tem problemas, explica Opice Blum. “As penas são todas muito leves, menores, de 4 anos de reclusão, o que no Brasil não faz ninguém ficar preso. A pena é substituída por pagamento de cestas básicas ou prestação de serviço comunitário”, diz ele. “Continuando como está, corremos o risco de, em vez de desestimular o criminoso, incentivá-lo”, afirma.
A expectativa de Opice Blum é a de que, no Senado, as penas imputadas aos crimes digitais pelo PL 2793/11 sejam revistas.
Portanto, há ou não há razões de sobra para que todas as entidades envolvidas com o uso da Internet ingressem no debate?
A alegação de que já hoje há inúmeras leis sendo aplicadas, logo, o problemas não é a falta de lei, já que as páginas dos jornais estão repletas de reportagens policiais com prisões de pessoas que praticam crimes e vários ilícitos utilizando o meio internet, é uma meia verdade, como várias outras em temas polêmicos como este.
O fato é que, enquanto não tivermos claramente uma legislação adequada (o que não significa, necessariamente, específica) e um judiciário preparado para interpretar e julgar os crimes cibernéticos, teremos os criminosos rindo da Justiça, com certeza da impunidade.
Fonte: IDGNOW!
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